Os mercados de consumo no exterior podem ser responsáveis por mais da metade do impacto causado pela expansão da soja no Cerrado brasileiro, de acordo com um novo artigo da Proceedings of the National Academy of Sciences.
O artigo, “Vinculando fatores globais do comércio agrícola a impactos in loco na biodiversidade”, calcula a parcela desse impacto atribuível aos consumidores em diferentes países do mundo.
Mais da metade (55%) do impacto é atribuída a alimentos e outros produtos consumidos fora do Brasil, sendo 22% atribuídos ao consumo na China e 15% ao consumo na União Europeia.
“Nossas descobertas sublinham que a perda local de biodiversidade é um problema global”, disse o co-autor Dr. Paz Durán, do Instituto de Ecologia e Biodiversidade da Universidade Austral do Chile. “Embora empresas e consumidores prestem cada vez mais atenção ao custo ambiental dos produtos, a natureza complexa das cadeias de suprimentos internacionais pode resultar na perda de conexões entre um produto e sua pegada ambiental”.
O autor principal Dr. Jonathan Green, do Stockholm Environment Institute (SEI) da Universidade de York, diz: “Nosso novo método revela vínculos específicos entre países consumidores, comerciantes, produção de soja e perda de habitat. Esse tipo de conhecimento pode ser inestimável para ajudar empresas e países a buscar fontes mais sustentáveis e investir em agricultura menos ecologicamente prejudicial “.
O Cerrado abriga 5% das espécies do mundo, mas está sendo degradado rapidamente, principalmente para a agricultura.
A equipe internacional de pesquisadores analisou os impactos em mais de 400 espécies de plantas e animais que são altamente ou exclusivamente dependentes dos ecossistemas do Cerrado (ou seja, possuíam pelo menos 70% de toda a faixa dentro do Cerrado), além de algumas outras espécies não endêmicas, como o tamanduá-gigante (Myrmecophaga tridactyla).
O estudo constatou que 86% das perdas na faixa do tamanduá-gigante no Cerrado ocorreram no estado do Mato Grosso, impulsionado principalmente pelo consumo de produtos que contêm soja “embutida” no Brasil, China e UE. No entanto, espécies ainda mais dependentes do Cerrado, como o pica-pau de Kaempfer e a pomba de olhos azuis estão em uma situação ainda mais precária.
Os pesquisadores também vincularam os impactos na biodiversidade do Cerrado a padrões de consumo específicos nos mercados consumidores. A grande maioria da soja está “embutida” em outros produtos – particularmente em carnes e laticínios de animais que recebem ração contendo soja, o que é favorecido por seu alto teor de proteínas.
Os principais consumidores do Cerrado brasileiro
O artigo mostra que, nos principais mercados europeus, como Alemanha, Reino Unido, Itália e Holanda, o consumo de produtos de carne não bovina (incluindo carne de porco, frango e cordeiro) alimentados com soja do Cerrado teve um impacto maior na biodiversidade do que o consumo de soja.
Cerca de 30% do impacto está relacionado a “outras carnes”, em comparação com 12% da carne bovina. (Observe que esses números incluem toda a carne de animais alimentados com soja do Cerrado, criados dentro ou fora do Brasil.)
O co-autor Andrew Balmford, da Universidade de Cambridge, disse: “O avanço mais empolgante para reunir esses sofisticados conjuntos de dados e modelos é o nível de responsabilidade que isso possibilita: agora podemos começar a ver exatamente quais empresas e consumidores estão prejudicando espécies ameaçadas, onde, como e em detalhes sem precedentes”.
O co-autor e diretor da Trase, Toby Gardner, da SEI, disse: “Esses resultados mostram que é possível usar os conjuntos de dados existentes para ver através da rede emaranhada do comércio global, fornecendo as informações detalhadas necessárias para criar soluções. Esperamos que essa metodologia seja estender-se a outros produtos e ecossistemas agrícolas em um futuro próximo “.